O PAPEL DA PATOLOGIA CLÍNICA/MEDICINA LABORATORIAL NA SUSTENTABILIDADE DOS SISTEMAS DE SAÚDE.

Diabetes Mellitus: a importância da correlação clínica laboratorial

- 04/09/2023

O endocrinologista e patologista clínico, Dr. Pedro Saddi Rosa, vai participar de uma mesa redonda no 55º Congresso Brasileiro de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial para discutir as atualizações em manejo clínico de pacientes com diabetes


O diabetes mellitus é uma condição silenciosa em muitas pessoas. Muitas vezes, os sintomas não aparecem ou se confundem com questões do dia a dia. Afinal, ter muita fome, sede e vontade de urinar nem sempre está relacionado a uma doença. Nesse cenário, o Brasil já soma 16 milhões de pessoas que vivem com diabetes, dos quais cerca de 40% ainda não tem conhecimento da condição. “Um dos objetivos dessa mesa é discutir aspectos clínicos do diabetes e sua correlação com o laboratório. Analisar os resultados laboratoriais conhecendo as características clínicas do diabetes maximiza a qualidade desse resultado  e minimiza chance de erros, explica o dr Saddi. 

Acompanhe abaixo um pouco do nosso bate-papo sobre o assunto. 


Dr., você pode começar diferenciando o diabetes do tipo 1,tipo 2 e gestacional. 

O diabetes mellitus é uma condição crônica de saúde caracterizada por um aumento do açúcar no sangue. O tipo mais comum, que representa cerca de noventa por cento dos casos, é o diabetes mellitus tipo 2 que costuma acontecer no adulto e está relacionado ao excesso de peso, à falta de atividade física e a uma alimentação pouco saudável. É o diabetes mais comum, frequentemente existem outros casos na família. É o que mais cresceu nas últimas décadas, porque tem essa associação com estilo de vida e, como a população está ganhando peso, está praticando menos atividade física, então o número de pessoas vivendo com diabetes vem aumentando. 
O diabetes mellitus tipo 1 é o segundo mais frequente. Ele pode ser diagnosticado em qualquer faixa etária, mas o clássico é em jovens e crianças. Não está associado com o estilo de vida. Trata-se de uma doença autoimune, em que ocorre a destruição das células que produzem insulina. E é por isso que esses indivíduos vão necessitar utilizar insulina desde o início do tratamento.

Agora, o diabetes gestacional é um diagnóstico transitório e não uma condição permanente, porque é caracterizado como um diabetes  diagnosticado na gravidez. Então, quando termina a gravidez, o médico reclassifica essa mulher, que passa a ser diabetes mellitus tipo dois ou ela volta a um estado em que a glicemia está sob controle. 

É bem verdade que quem teve diabetes mellitus gestacional tem o risco aumentado para desenvolver diabetes tipo 2 no futuro. 

Quais os riscos do diabetes tipo 1, tipo 2 e gestacional? 

A principal importância do diabetes gestacional diz respeito ao desfecho materno-fetal. Um açúcar alto durante a gravidez pode dificultar ou prejudicar a saúde tanto do bebê quanto da mãe. Então, existe a necessidade de manter esse açúcar sob controle para que a gravidez, o parto e os primeiros dias de vida do bebê transcorram de maneira tranquila. 


Já no diabetes mellitus tipo 1 e tipo 2, a preocupação é com complicações crônicas. O açúcar quando não controlado adequadamente, pode prejudicar alguns órgãos, como, por exemplo, os olhos. O diabetes mellitus é uma causa importante de perda de visão no mundo. 

Outra preocupação é a  possibilidade de lesão nos  rins, a  chamada  nefropatia. Ambos os tipos de diabetes  são importantes causas de perda de função renal, no Brasil e no mundo. 
Outro  preocupação é com os grandes vasos sanguíneos, que irrigam o coração e o cérebro. O diabetes  aumenta o risco de infarto e de acidente vascular cerebral. Os nervos também podem ser afetadoslevando a perda de sensibilidade ou alteração de sensibilidade das extremidades dos pés e das mãos. 


Por isso a importância de se fazer o acompanhamento de pacientes com diabetes e estar atento para evitar complicações sobretudo com a retina, rins e o sistema cardiovascular. 


Diabetes do tipo 1 é uma doença autoimune e não tem como prevenir? 

No diabetes tipo 1 existe um componente genético relacionado com perda de proteção contra autoimunidadePara a doença se manifestar, algum fator ambiental desconhecido, que, pode ser, por exemplo, uma infecção viral, ou exposição a algum antígeno, ou seja, alguma substância que precipita a autoimunidade. Acho importante ressaltar que há alguns meses foi aprovado o primeiro tratamento que comprovadamente retarda o aparecimento do diabetes mellitus tipo 1.
Essa medicação foi aprovada para parentes de primeiro grau de pacientes com diabetes tipo 1 que possuem dois ou mais anticorpos contra a ilhota pancreática.O medicamento consegue postergar em dois anos o diagnóstico de diabetes mellitus e, quem desenvolve a doença, apresenta menor destruição de células pancreáticas. 

 
Quer dizer, o laboratório ajuda a identificar essas pessoas que vão se beneficiar dessa medicação?

Exatamente, mas esse tratamento ainda não está disponível no Brasil. 
Então, a maneira clássica de evitar o diabetes do tipo dois é ter um estilo de vida mais saudável?

Isso. Manter o peso sob controle, fazer atividade física – pelo menos  cento e cinquenta minutos de exercício por semana - e ter uma alimentação saudável, caracterizada principalmente por uma alta ingestão de fibras, limitar o consumo de açúcar refinado e alimentos ultraprocessados.


O que se pode dizer sobre diabetes e o consumo de bebidas alcoólicas?

É permitido desde que dentro de determinados limites. Esse limite pode ser determinado pelo médico do paciente. Lembramos que o consumo abusivo de álcool está relacionado ao desenvolvimento de diversas doenças como  cirrose,  insuficiência cardíaca, demência, diabetes, entre outros. 


Para uma pessoa saudável, qual é a indicação padrão: fazer um check-up anual?

Esse assunto também é controverso, mas, na prática, a  periodicidade é anual. 


Agora, nem todo mundo tem que colher glicemia todo ano. A indicação, hoje, é para quem tem mais de quarenta e cinco anos. Os mais jovens precisam manter essa regularidade, caso tenham excesso de peso e algum fator de risco adicional como  sedentarismo, hipertensão, alteração de lípides, entre outros. Levando em consideração que 60% da população brasileira está acima do peso, eu diria que a maior parte das pessoas deveria ir ao médico uma vez por ano e colher uma glicemia.
Para indivíduos abaixo dos 30, magros, que praticam exercício, não têm histórico familiar de diabetes, a coleta da glicemia pode ser dispensável , mas ainda assim é importante ir ao médico para aferir a pressão e avaliar o colesterol, no mínimo. 


Existe possibilidade de remissão do diabetes?

Não falamos em cura, mas em remissão. Se o indivíduo tiver uma mudança de estilo de vida significativa, existe sim chance do diabetes entrar em remissão. A pessoa vai se exercitar, vai comer melhor e começa a perder peso. Em geral, ela precisa perder cerca de quinze por cento do peso corporal. 
Agora, quanto mais tempo de diagnóstico o indivíduo tem, menor é a possibilidade disso acontecer. Ou seja, quanto antes se intervém, melhor. 

A remissão é algo muito significativo, porque quanto mais precocemente se obtiver um bom controle metabólico, menores as chances do indivíduo ser acometido por outras complicações, como já comentamos. 

Quais são os exames para diagnóstico do diabetes mellitus?

A glicemia em jejum, a glicemia duas horas após sobrecarga de 75g de glicose e a hemoglobina glicada. A vantagem da hemoglobina glicada é que não precisa colher em jejum e ela te dá uma ideia de como está o açúcar do sangue nos últimos três meses. 


Então a hemoglobina glicada seria mais precisa do que a glicemia? 

Não existe um exame melhor que outro. Cada um dos testes tem vantagens e desvantagens. Os três são adequados para diagnosticar o diabetes mellitus.


Você acredita que diabetes é uma doença negligenciada? 

Tem vários aspectos interessantes nessa pergunta.

Não é negligenciada no sentido que existe investimento em pesquisa, desenvolvimento de novos tratamentos. Também não podemos dizer que o poder público negligencia essa condição:  o SUS oferece atendimento e tratamento para diabetes. Pode não ser o mais moderno, mas tem tratamentos importantes e geralmente suficientes pra que se atinja um bom controle metabólico. 

O cenário do Brasil é que temos 16 milhões de pessoas com diabetes e mais de 40% desconhece o diagnóstico. Então, estamos falando de um contingente enorme de pessoas que estão sob o risco de desenvolver complicações crônicas e prejudicar a qualidade de vida no futuro, mas que não está nem no radar delas que elas precisam se tratar. 


E, mesmo entre aquelas pessoas que conhecem o diagnóstico, existe uma parte que não se trata ou não recebe o tratamento adequado. Por exemplo, muita gente acredita que usar insulina significa que elas estão muito doentes ou mesmo no final da vida. E não é assim. Usar insulina salva vidas. Além disso, é preciso trazer o paciente para o processo de planejamento de seu tratamento para melhorar o seu engajamento.


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